Negacionismo na contramão do avanço científico

Quando a realidade é invadida pelo desconhecido ela se torna irreal e o medo pode nos fazer pura e simplesmente negá-la. A negação é a máscara retirada do rosto e posta, como um poderoso véu, no mundo; uma forma de escapar de uma verdade desconfortável, dolorosa ou mesmo insuportável. (JORGE; MELLO; NUNES, 2020, 588.

O contexto atual é marcado pela descrença na política, na economia, na ciência, nos órgãos da saúde e nos meios jornalísticos. Este cenário apresenta como consequência a promoção de um ressentimento generalizado e que contribui para a propagação de discursos negacionistas (LIMA, 2020; GIOVANELLA et al., 2020).

O termo negacionismo tem origem com o historiador francês Henry Rousso, em sua obra intitulada “Le Syndrome de Vichy''. Com esta expressão, o historiador buscava denominar a camada da sociedade que negava a existência do Holocausto, gerenciado pela Alemanha Nazista na Segunda Guerra Mundial (MOREL, 2021).

Entretanto, hoje em dia o negacionismo pode ser entendido como sendo a negação de descobertas científicas e momentos históricos, tendo como base crenças e valores de determinado grupo (LIMA, 2020). A recorrência e expressão do termo pode ser identificada em quatro categorias, sendo elas: negacionismo científico, presente nos movimentos antivacina e terraplanismo;negacionismo climático, em que afirmam ser farsa o aquecimento global;negacionismo histórico, com a negação do holocausto;e o negacionismo do racismo. Estas categorias expressam a complexidade e diversidade do fenômeno (MOREL, 2021).

Os discursos negacionistas se contrapõem à ciência, pois apresentam como características a identificação de conspirações, a seletividade de materiais que contradizem as investigações científicas, o uso de falsos especialistas e falácias lógicas (CAPONI, 2020). Desta forma, estes grupos buscam fazer parecer com que determinado tema seja mentiroso a partir da utilização de argumentos aparentemente racionais (LIMA, 2020).

Por outro lado, as teorias científicas são derivadas de métodos científicos rigorosos em que as opiniões e especulações não são consideradas, fazendo com que a diferença principal entre ambos seja a objetividade da ciência e a existência de um consenso entre os cientistas, no que se refere às investigações científicas (CHALMERS, 1997). Atualmente, com a pandemia de Covid-19, tornou-se bastante evidente a disseminação de discursos de cunho negacionistas por parte de figuras públicas e da sociedade civil, em que, minimizam os impactos da pandemia, atribuindo termos, como, por exemplo, ‘gripezinha’ e ‘histeria’. A consequência de tais afirmações pode ser observada  nos elevados números de casos e mortes pelo vírus (CALIL, 2021).

Segundo Tatiana Roque, este cenário negacionista nos ensina e demonstra que não basta, apenas,que nós defendamos a ciência com base na neutralidade científica, se faz  necessário a existência de iniciativas de divulgação científica que sejam democráticas e acessíveis capazes de desempenhar autocrítica nos cidadãos. Anastasia Guidi Itokazu, em Ciência para os 99%, complementa a ideia de Tatiana afirmando a necessidade de se construir uma ciência plural.

Referências Bibliográficas

CALIL, G. G. A negação da pandemia: reflexões sobre a estratégia bolsonarista. Serv. Soc. Soc.,  São Paulo ,  n. 140, p. 30-47.  2021 .   Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-66282021000100030&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 05  maio  2021.  

CAPONI, Sandra. Covid-19 no Brasil: entre o negacionismo e a razão neoliberal. Estudos Avançados, v. 34, n. 99, mai/ago. 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40142020000200209&script=sci_arttext&tlng=pt.  

CHALMERS, A. F. O que é Ciência afinal, São Paulo: Brasiliense, 1997, Introdução e Cap. 1. 

ITOKAZU, Anastasia Guidi. Ciência para os 99%. II Encontro do GT de Gênero da ANPOF, 2019. 

JORGE, M. A. C.; MELLO, D. M.; NUNES, Macla Ribeiro. Medo, perplexidade, negacionismo, aturdimento - e luto: afetos do sujeito da pandemia. Rev. latinoam. psicopatol. fundam.,  São Paulo ,  v. 23, n. 3, p. 583-596,  Sept.  2020 .   Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-47142020000300583&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 05  maio  2021.  

LIMA, H. Discursos negacionistas disseminados em rede: a (des)construção da educação. Revista da ABRALIN, v. 19, ed. 3, p. 389-408, 2020. Disponível em: https://revista.abralin.org/index.php/abralin/article/view/1758/2061?download=pdf. Acesso em: 5 maio 2021.

MIGUEL, J. Negacionismo climático no Brasil. Revista de divulgação científica coletiva.org., São Paulo, v. 27, n. 1, 2020

MOREL, A. P. M. Negacionismo da Covid-19 e educação popular em saúde: para além da necropolítica. Trab. educ. saúde,  Rio de Janeiro ,  v. 19,  e00315147,  Jan.  2021 .   Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1981-77462021000100404&lng=en&nrm=iso.  Acesso em: 05  maio  2021. 

ROQUE, T. Negacionismo no poder. 2019. 

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